sábado, 25 de dezembro de 2010

Cercado pelo exército português.

Fez anos no dia 23 que passou, que o oficial de messe do aerodromo em Mueda foi ao exército, pediu ao Coronel Maçanita para se dirigir às suas tropas e informou-as que no dia seguinte, véspera de Natal, o nosso aérodromo tinha bacalhau com batatas e grêlos para todos que nos quizessem visitar.
Nessa véspera de Natal, vivi um dia pleno de altos e baixos, aquilo a que se chama habitualmente montanhas russas. A manhã e a tarde com um sol africano maravilhoso, foi um dos dias mais difíceis que passei em Mueda. Já ao almoço tive o prazer de comer lagosta à cafreal num oásis de alegria, piadas, brincadeiras e sobretude uma lagosta que encheu as papilas da minha língua como jamais na vida voltei a ter o prazer de saborear, aonde quer que fôsse. Foram umas horas lindas que só a juventude muito unida sabe viver. Em excelente ambiente, íamos convidando o pessoal do exército que lá se encontrava a comer lagosta connosco, como era nosso hábito.
Boa disposição como jamais tinha visto por aqueles lados ao jantar, até parecia que devíamos estar de férias numa praia; comeu-se o bacalhau com batatas, grêlos e ovos assim como certos doces próprios da data: bebeu-se tanto no refeitório como no bar. Como sempre fui uma pessoa pacata e socegada como tantos outros que lá estavam comigo, bebi o meu copinho de vinho e no bar tomei o meu café com aguardente bem portuguesa, que me sabia tão bem... Foi nessa altura que comecei a reparar que um grande número do pessoal não estava lá muito católico: tanto à horizontal como à vertical, como hoje se diz. Fui ao bar dos oficiais e nem cheguei a falar com nenhum, estava ilucidado.
Sentei-me no lado que dava para as pistas e notei que não passava nenhuma ronda e aí eu pensei: "bonito serviço, se houver festival, vai ser um problema".
Se bem que não fosse do meu pelouro, fui buscar a minha arma e comecei a fazer rondas por minha própria decisão, não estivesse algum sentinela a dormir. Lá havia um sentinela que estava aflito, fiquei no posto até que ele voltasse e pelo telefone interno que aí havia, fui sabendo que não havia problemas com os outros.
Já com o sentinela no posto, continuei a volta até chegar àquilo que pomposamente chamavamos porta de armas e qual não é o meu espanto, quando vejo ao longe as luzes de um Jeep. Cá de baixo chamei o sentinela, disse-lhe que devia vir ali o coronel pelo que me deixei ficar do lado de traz do portão.
O sentinela veio abrir o portão, o Jeep passou para o lado de dentro, o coronel Maçanita desceu, "batemos a paula", cumprimento de mão que era seu hábito só connosco, e fui-lhe dizendo que tudo estava a correr bem, sem problemas.
O Senhor foi-se aproximando do bar dos oficiais e eu comecei a sentir umas dôres de barriga de maneira que ao contrário do que costumava fazer, não entrei.
Não sei o que se passou, ao contrário do que era habitual, passado muito pouco tempo o senhor saíu, deu-me a entender que estava tudo bem como eu lhe tinha dito, desejou-me umas Boas Festa e partiu no Jeep com o seu motorista.
A pensar que desta nos tinhamos safado pelo que nem precisava de dizer nada a ninguém, continuei a dar a minha voltinha pelas guaritas, passei novamente no refeitório, no bar aonde havia ainda pessoal muito satisfeito e fui descansar um pouco.
Qual não foi o meu espanto quando comecei a houvir muito falatório baixinho à distância e a um dado momento ouço barulho de um tanque de guerra que se foi colocar entre nós e a pistas. Fui ver o que era e fui informado por um colega que o Maçanita nos estava a cercar. Meu Deus, aquilo era mesmo muita gente a envolver o aérodromo. Nunca esperei.
Disse ao sentinela para me abrir o portão que dava para a pista, fui ter com os rapazinhos a convidá-los para virem comer bacalhau com batatas e os bolos que ainda havia no nosso refeitório mas muito admirados, disseram-me que como estavam em serviço não podiam lá ir e que nem lhes levasse comida.
Enfim, tinhamos os mesmos problemas, só que eles praticavam outro tipo de guerra.
O Coronel Maçanita, talvez se tenha também vingado por ter visto oferecer bacalhau aos seus militares na manhã anterior, uma vez que nessa altura eles não comiam bem, o que nos trazia revoltados mas... cercado pelo exército, foi a noite que dormi mais descansado em Mueda.

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